O Bairro do Catete por Maria Graham



            Continuando as postagens sobre Maria Graham, vamos abordar a descrição feita por ela do bairro do Catete, mais conhecido hoje por ser o local onde está o Museu da República. A inglesa hospedou-se na região em sua estada no país em 1822. 
            Quem passa pelas ruas do bairro atualmente jamais poderia imaginar que essa região foi a mais nobre da cidade no início do século XIX, especialmente depois da chegada da Família Real portuguesa. A rua do Catete atual tem sua origem no Caminho do Catete, utilizado antes mesmo da chegada dos portugueses pelos índigenas. No século XVI, caminho dos índios foi melhorado pelos portugueses para ajudar na interligação do Morro do Castelo, centro da ocupação da cidade, com os engenhos de açúcar e os fortes localizados na Zona Sul. Durante os séculos XVII e XVIII a região foi ocupada por grandes chácaras. A partir de 1808, com a chegada da família Real e, principalmente, com a vinda da princesa Carlota Joaquina para morar no Largo do Machado (mudando-se posteriormente para a praia de Botafogo), a região teve grande desenvolvimento, com a vinda de diplomatas e nobres que preferiram residir ali do que no centro capital do Reino Unido, abarrotado e de feitio colonial.
            Foi nesse contexto que Maria Graham chegou à cidade, instalando-se ali, descrevendo os costumes, a comida e até desenhando a região. Vejamos um pouco do seu diário, em que dá grande destaque à alimentação dos cariocas:



Segunda-feira, 17 [de dezembro] — Com o auxílio de alguns amigos de terra, obtivemos uma casa confortável num dos subúrbios do Rio, chamado Catete, do nome de um rio que corre por ele até o mar. Para esta casa trouxe meu pobre guarda-marinha doente, Langford. Confio em que o ar livre, o exercício moderado e uma dieta de leite curá-lo-ão. Fomos visitados por diversas pessoas, que todas parecem hospitaleiras e amáveis, especialmente o cônsul-geral em exercício, coronel Cunningham, e senhora.


Imagem 1
Rua do Catete — caminho para a Glória. Desenho de Maria Graham, em 1822.
http://www.brasiliana.com.br/obras/diario-de-uma-viagem-ao-brasil-e-de-uma-estada-nesse-pais-durante-parte-dos-anos-de-1821-1822-e-1823/preambulo/28/foto

   18 de dezembro — Comecei a tomar conta da casa em terra. Encontramos verduras e aves muito boas, mas não baratas; as frutas são muito boas e baratas, a carne verde é barata, mas ruim; há um açougueiro monopolista e ninguém pode matar um animal, sequer para seu próprio uso, sem pagar-lhe uma licença; consequentemente, não havendo concorrência, ele fornece o mercado à sua vontade. A carne é tão má que três dias em quatro mal pode ser empregada sequer em sopa de carne. A que é fornecida no navio é tão má quanto esta. O carneiro é raro e mau. A carne de porco é muito boa e bonita. Os porcos se alimentam principalmente de mandioca e milho perto da cidade. Os mais distantes têm a vantagem da cana-de-açúcar. O peixe não é tão abundante conto o deveria ser, em vista da quantidade que existe em toda a costa, mas é muito bom. As ostras, os camarões e os caranguejos são tão bons como em toda a parte. O pão de trigo usado no Rio é feito principalmente de farinha americana e, de um modo geral, bem bom. Nem a capitania do Rio, nem as do Norte produzem trigo, mas nas terras altas de São Paulo e Minas Gerais e nas províncias do Sul, é cultivado em boa escala e com grande sucesso. O grande artigo de alimentação aqui é a farinha de mandioca. Usa-se sob a forma de um bolo largo e fino como um requinte. Mas o modo habitual de comê-la é seca. Na mesa dos ricos é usada em todos os pratos que se comem, tal como comemos pão. Os pobres empregam-na de todas as formas: sopa, papa, pão. Nenhuma refeição está completa sem ela. Depois da mandioca, o feijão é a comida predileta, preparado de todas as maneiras possíveis, porém mais frequentemente cozido com um pedacinho de carne de porco, alho, sal e pimenta. Como gulodice, desde os nobres até os escravos, doces de todas as espécies, desde as mais delicadas conservas e confeitos até as mais grosseiras preparações de melaços, são devoradas em grosso.          

   Alugamos um cavalo para o nosso doente e tomamos um emprestado para mim. Estes animais são bem bonitos no Rio, mas estão longe de ser fortes. São alimentados com milho e capim, ou grama da Guiné, introduzida há poucos anos no Brasil, e que se desenvolve extraordinariamente. Pega de muda; os caules e folhas são tão grandes quanto as da cevada e atinge, às vezes, a altura de seis ou sete pés. A flor é um grande panículo solto. A quantidade necessária para cada cavalo por dia custa cerca de oito pence e o milho mais ou menos o mesmo. Os cavalos comuns vendem-se aqui de 20 a cem dólares. Os belos cavalos de Buenos Aires alcançam um preço muito mais elevado. Os burros são usados geralmente para carruagens; são mais resistentes e mais capazes de suportar o calor do verão.

 

http://www.brasiliana.com.br/obras/diario-de-uma-viagem-ao-brasil-e-de-uma-estada-nesse-pais-durante-parte-dos-anos-de-1821-1822-e-1823, p. 183-185

 

 

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