O Cais do Valongo por Maria Graham
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Maria Graham (1785-1842), foi uma britânica brilhante, exercendo um papel que se estendeu muito além do que se esperava
de uma mulher de sua época. Sua biografia certamente renderia um filme: viajou
o mundo todo; ao se isolar em luto pela morte de seu 1º marido, foi uma das
primeiras testemunhas dos efeitos de um dos maiores terremotos da história do Chile; foi tradutora, revisora, pintora, estudiosa das ciências naturais; foi a preceptora da princesa Maria da Glória, filha de D. Pedro
I, que posteriormente foi Rainha de Portugal.
Enfim, o que nos interessa agora
são os relatos de seu diário de viagem sobre o cotidiano brasileiro no século
XIX, especialmente o de 1º de maio de 1823 sobre o cais do Valongo, local
de chegada dos escravos no Rio de Janeiro, que está sendo redescoberto atualmente
pelo trabalho dos arqueólogos da reforma do Porto do Rio de Janeiro.
No cais do Valongo, até a década de 1830, chegaram cerca de um milhão de escravos para o país. Com o tempo, o cais - e a escravidão - começaram a ser escondidos. Primeiro foi transformado em Cais da Imperatriz, para receber a Imperatriz Tereza Cristina. Depois, já na República, foi aterrado pela reforma urbana de Pereira Passos.
Vejamos o que Maria Graham deixou escrito em seu diário no dia 1º de maio de 1823:
Vejamos o que Maria Graham deixou escrito em seu diário no dia 1º de maio de 1823:
"1° de maio — Vi hoje o Val Longo [Valongo]. É o mercado de escravos do Rio. Quase todas as casas desta longuíssima rua são um depósito de escravos. Passando pelas suas portas à noite, vi na maior parte delas bancos colocados rente às paredes, nos quais filas de jovens criaturas estavam sentadas, com as cabeças raspadas, os corpos macilentos, tendo na pele sinais de sarna recente. Em alguns lugares as pobres criaturas jazem sobre tapetes, evidentemente muito fracos para sentarem-se. Em uma casa as portas estavam fechadas até meia altura e um grupo de rapazes e moças, que não pareciam ter mais de 15 anos, e alguns muito menos, debruçavam-se sobre a meia porta e olhavam a rua com faces curiosas. Eram evidentemente negros bem novos. Ao aproximar-me deles, parece que alguma coisa a meu respeito lhes atraiu a atenção; tocavam-se uns nos outros para certificarem-se de que todos me estavam vendo e depois conversaram no dialeto africano próprio com muita vivacidade. Dirigi-me a eles e olhei-os de perto, e ainda que mais disposta a chorar. Fiz um esforço para lhes sorrir com alegria e beijei minha mão para eles; com tudo isso pareceram eles encantados; pularam e dançaram, como que retribuindo as minhas cortesias. Pobres criaturas! Mesmo que pudesse eu não diminuiria seus momentos de alegria, despertando neles a compreensão das coisas tristes da escravidão; mas apelaria para os seus senhores, para os que compram e para os que vendem, e lhes imploraria que pensassem nos males que traz a escravidão, não somente para os negros, mas para eles próprios e, não somente para eles, mas para suas famílias e para suas descendências.
Pintura de Rugendas (1835).Desembarque de escravos, que eram examinados por médicos. http://cdn.papodehomem.com.br/wp-content/uploads/2012/11/rugendas-1835-desembarque-620x460.jpg |
Muito bom , Marco. E que visão apurada ,social e humana pelos idos de 1820. Só podia ser britânica.
ResponderExcluirValeu Léo!
ResponderExcluirOs relatos de estrangeiros sobre o Brasil do século XIX são sensacionais!
Cara, como sempre, teu blog trazendo docs originais e fazendo a gente pensar!
ResponderExcluirMuito legal a postagem (só li tudo agora, com o maior atraso do mundo! 8-)
grande abraço e saudades,
MV
Muito boa sua postagem.Pesquiso Maria Graham e suas visões e narrativas são extraordinárias!
ResponderExcluirMuito boa sua postagem.Pesquiso Maria Graham e suas visões e narrativas são extraordinárias!
ResponderExcluirObrigado, Denise, pelas palavras!
Excluircomo sempre bom de ler.
ResponderExcluirQuais foram as consequencias para as descendencias negras?
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