Revolta do Vintém: quando o governo cancelou o aumento do bonde.


Uma coisa ficou certa - pelo menos para mim - ao ver toda essa mobilização dos protestos que vêm ocorrendo no País: mexer com o valor da passagem do transporte público às vezes é perigoso como fumar charuto dentro de um barril de gasolina. Quem nunca ouviu relatos de quebra-quebras do passado motivados por aumento de passagens em ônibus, trens ou barcas?

 
Às vésperas do natal de 1879, estavam sendo discutidas no governo algumas medidas para sanar a crise orçamentária do Império Brasileiro. A medida em questão era o aumento da passagem dos bondes em 10%, ou seja 20 réis, que equivalia a um vintém. O vintém “era a menor moeda do império. Com este valor se comprava 139 gr. de açúcar, 52 gr. de bacalhau, 29 gr. de banha, 125 gr. de batata, 45 de carne seca, 250 de farinha de mandioca, 13 de presunto, 9 de manteiga, 29 de toucinho”[1]  .

 
Moeda de vinte réis, ou um vintém, de 1869.


O aumento foi amplamente discutido na imprensa pelo caráter popular da causa, e logo republicanos, como Lopes Trovão, tomaram a frente do movimento, conclamando a população a protestar contra a medida.
 
            Em 28 de dezembro de 1879, uma manifestação com cerca de 5 mil pessoas dirigiu-se à Quinta da Boa Vista, residência do imperador Pedro II, para entregar uma petição para revogar o imposto. A manifestação parou na entrada da Quinta, ao vê-la guardada pela polícia. Pedro II aceitara receber uma comissão com representantes do povo, mas esta, vendo a manifestação se dispersar, não foi se encontrar com o Imperador.
 

No dia 1º de janeiro de 1880 começaria a cobrança do imposto. Algumas empresas de bonde orientaram os cobradores a não fazerem questão do valor, por medo da reação do povo. Outra manifestação começou no centro do Rio de Janeiro. Lopes Trovão, mais uma vez, estava à frente dos protestos, que logo descambaram para os ataques aos bondes. Muitos foram virados, incendiados, condutores foram espancados e até as mulas que puxavam os bondes (que ainda não eram elétricos) foram esfaqueadas!

 
Bonde da época. Pobres mulinhas...


Nos dois dias que se seguiram alguns episódios de violência ainda ocorreram na cidade, mas também se acentuou a sensação de que deveria existir algum tipo de atitude do governo que não fosse somente reprimir a população. Logo, a cobrança seria suprimida de fato e finalmente revogada. O saldo da revolta é incerto: entre 3 e 10 mortos e cerca de 30 feridos.

 
Na minha modesta opinião, da mesma forma que hoje, esses protestos refletem um pouco do que o historiador José Murilo de Carvalho chamou de “povo da rua” no livro “os Bestializados”. A apatia do povo brasileiro com a política tradicional (eleições, votações nas câmaras, etc.) se explicava porque a população não acreditava que o jogo político tradicional – ou oficial – fizesse diferença em suas vidas. Ninguém contava com o governo para ter educação, saúde, ou qualquer outra coisa. Por isso tinham que recorrer a associações de auxílio mútuo ou irmandades se não quisessem ficar totalmente desprotegidos. Mas, quando o governo se intrometia diretamente no seu dia-a-dia, nas suas crenças ou mesmo nas suas finanças, ele reagia. Muitas vezes com violência.

 



[1] (BUESCU, Mircéa. Centenário do Motim do Vintém. In: Revista do IHGB, Rio de Janeiro, 1980, p. 118.  citado por  FERNANDES, Neusa. A Revolta do Vintém. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 25., 2009, Fortaleza. Anais do XXV Simpósio Nacional de História – História e Ética. Fortaleza: ANPUH, 2009. CD-ROM. Disponível em http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S25.1511.pdf )

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